A MULHER EMPODERADA E O ARQUÉTIPO DA POMBA GIRA
Eu entendo que empoderamento é nós aceitarmos
como somos, olhando para todas as partes do nosso ser e ainda assim ver
sagralidade nisso. Empoderamento é autoamor e poder pessoal juntos.
Se pensarmos na sagralidade da mulher, podemos
pensar nessas duas palavras:
Sagrado. Feminino.
Sagrado: relativo à Deus
feminino: relativo à mulher ou fêmea.
Porque é tão difícil relacionar as duas
coisas? Porque há muito tempo o sagrado
do feminino foi destruído. Vivemos em uma sociedade patriarcal e aprendemos a
também renegar a nossa sagralidade.
A crença que vive no inconsciente coletivo
acredita em um Deus pai. E que o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus. Já nós fomos criadas da costela do homem. E mesmo que essa não seja a sua
crença precisamos pensar quais as influências que esse mito nos trouxe ainda
nos dias de hoje. Essa marca da mulher, da filha de Eva, é uma ferida ainda
aberta.
Os historiadores já concordam que nas primeiras
civilizações as sociedades eram Matriarcais e o culto era a Deusa. Mas conforme
o patriarcado se estabeleceu a figura da Deusa foi sendo destruída.
A figura mais próxima da santidade que temos é a
virgem Maria. Mas ela foi destituída da sua sexualidade. Uma mulher que é mãe,
porém, que é virgem. O que torna nossa sexualidade pesada e a mulher libidinosa
impura.
E por muito tempo nós vimos assim. Foi há pouco
que a mulher começou a reivindicar o seu papel na sociedade como um ser
completo. E carregar todo esse histórico faz com que ainda existam muitas
prisões dentro de nós. Para que a gente conquiste esses lugares que almejamos e
batalhamos tanto para conquistar, a maior luta está em acreditarmos no nosso
potencial, no nosso poder pessoal e no magnetismo da magia natural que toda
mulher é capaz.
E essa é
uma das missões que as giras nos trazem, o arquétipo da Pomba gira se aproxima muito da atuação e
dos conceitos da luta feminista.
Elas nos ensinam que amor se vive
com intensidade, mas também com a preservação da individualidade. Nos ensinam que a beleza e o poder independem da nossa imagem física e
que o empoderamento brota de dentro para fora. Elas nos ensinam a magia do
autoamor, o magnetismo pessoal que cada uma possui e que é a arma mais poderosa
de toda mulher.
Para quem desconhece sobre esse tema, a palavra Pomba gira, traz um conceito pré concebido de algo ruim, beirando a promiscuidade.
À Pomba gira reservou-se uma imagem pejorativa,
ligada a sexualidade desenfreada, libertinagem e trabalhos negativos, como
amarrações de amor.
Porém a Pomba
gira surge trazendo de volta o empoderamento feminino. Por séculos a mulher era apenas coadjuvante existencial, sem muita
importância, e aquelas que tentaram mudar esta realidade foram mortas e
ridicularizadas de alguma forma.
Esta
realidade brutal se arrastou por séculos a fio e só começou a mudar nos anos 60
aqui no Brasil, foi na mesma época em que obtiveram as primeiras manifestações
das Pombas giras nos terreiros. Quando
apareceram nos terreiros eram o retrato de tudo aquilo que as mulheres sonhavam
em ser, mas já tinham perdido a esperança. Também eram tudo que os homens
gostavam, mas combatiam covardemente.
Até essa época, a vaidade era abafada de todas
as formas e sensualidade era algo que muitas vezes nem brotava no âmago da
mulher. Um combate cruel contra a natureza.
E surge então elas, mulheres independentes, firmes, alegres, esbanjando sensualidade, sem
papas na língua, “afrontando” a covardia machista imperante.
No momento em que começaram aparecer nos
terreiros e tudo isso foi cautelosamente pensado, foi uma “invasão” coletiva e simultânea. A médium que aparecia opaca no terreiro ao estar mediunizada por uma
pomba gira ficava linda, pois juntava sua sensualidade escondida com a da gira
e aquela mulher virava um furacão.
Mas com a vinda delas também surgiram as
perguntas: se eram “prostitutas”, “putas”, “bruxas” a resposta era sempre a
mesma: uma sonora gargalhada. Sempre uma
boa provocação para mentes machistas, pois pensem o que quiserem, eram apenas
livres. Mas ficava ainda melhor quando cantavam que “pomba gira é, mulher de sete maridos”,
aí sim a provocação estava feita. Pois era a situação inversa, ou seja, não o
homem podendo a poligamia, mas sim a mulher subjugando vários homens sob seu
encanto.
E porque não desmistificar sobre as formas pejorativas de descrevê-las?
Porque elas representam a mulher que é o que ela quiser ser, mas principalmente
é INDEPENDENTE, CAPAZ E LIVRE.
É certo
que existem algumas Pombas Giras que foram prostitutas e marginais? Sim é
certo. Pense no contexto histórico e as mulheres livres e libidinosas, como
eram vistas? Qual destino elas teriam? Mas isso realmente importa?
Pomba gira vem
para ensinar a mulher que sua força não deve ser ridicularizada, minimizada ou
vulgarizada. Ela é o encanto e a sensualidade natural da mulher, a essência do
feminino. Fogem dos padrões que por muito tempo foram reservados à mulher.
Alexandre Cumino tem uma fala que diz: “muitas,
muitas e muitas mulheres sentiram na pele a dor de uma sociedade sufocando a
sua voz, podando a sua liberdade e tornando-a presa a valores, muitas
vezes hipócritas. Essa mulher encontrou em Pomba gira uma força, uma dignidade
para caminhar de cabeça erguida, força para vencer, para lutar; por isso
Pomba-Gira assusta. Assim como mulheres independentes, mulheres que não tem
medo, que assumiram as suas verdades perante essas questões assustam aqueles
que ainda são machistas e hipócritas. Se assustam então, com uma mulher que
caminha de cabeça erguida“
Quando trago o arquétipo da Pomba gira também
podemos associá-las a figura de Lilith, ou das Deusas negras.
Lilith é aquela parte do nosso lado feminino que não é aceito social e culturalmente, que fomos ensinadas a rejeitar para atender a mandatos que não necessariamente serviam aos nossos interesses.
Lilith é aquela parte do nosso lado feminino que não é aceito social e culturalmente, que fomos ensinadas a rejeitar para atender a mandatos que não necessariamente serviam aos nossos interesses.
O mito de Lilith
Existem algumas histórias
mitológicas para Lilith, mas a com que eu mais me identifico fala que ela foi,
na verdade, a primeira mulher de Adão, e não Eva. Teria sido assim: quando Deus
criou Adão, o fez completo, homem e mulher. Tudo ia bem até que Adão começou a
nomear os animais e viu que havia um macho e uma fêmea para cada espécie. Ele
então perguntou a Deus porque todos tinham um par, menos ele. Deus explicou que
ele não precisava de uma mulher porque ele continha tanto a essência masculina
quanto a feminina. Mas mediante sua insistência, Deus teria concordado em dividí-lo em dois, macho e
fêmea, ou Adão e Lilith.
No início eles foram muito felizes.
Adão adorava ter com quem conversar passar tempo, jogar, comer, fazer amor e
compartilhar a vida. Mas Adão insistia em assumir o papel de dominador ante
Lilith, inclusive sexualmente. Lilith não aceitava isso. Ela dizia que eles
tinham sido feitos do mesmo material e tinham a mesma essência. Portanto, eles
eram iguais e deveriam se tratar como tal. Mas Adão não aceitava. Ele dizia que
ele tinha sido feito de terra, que era um material puro, e ela de sedimento,
que era impuro, indicando sua menor valia. Lilith recusou-se a aceitar
esta subjugação e decidiu abandonar Adão para viver sua vida de forma livre. Ela
queria ser quem era e viver de acordo com a sua essência. Assim, ela se mudou
para uma caverna que ficava às margens do Mar Vermelho, onde viviam os
demônios, com quem ela tinha vida social e relações sexuais. Ali, ela
conseguiu criar para si um lugar que jamais teria tido com Adão, onde não era
dominada por ninguém, se expressava livre e criativamente, e era sexualmente
livre.
Adão, por outro lado, sentado no Jardim do
Éden, rodeado por toda aquela pureza e beleza, mas sem ninguém com quem
compartilhá-la, começou a se sentir sozinho. Então, ele pediu a Deus que
trouxesse Lilith de volta para lhe fazer companhia. Deus enviou três de seus
anjos para entregar uma mensagem a Lilith, que dizia que ela deveria voltar a
viver com Adão ou os seus filhos não serão mais imortais, e ela os veria
morrer. Ela tentou argumentar sem sucesso. Mesmo assim, ela decidiu não voltar
e seus filhos começaram a morrer. Ela ficou, então, possuída por ira, teria se
tornado um demônio.
Foi por isso que Deus criou Eva da costela de Adão, para que ela seja sempre inferior e submissa a ele. Porém há quem diga que A serpente que induz Eva a comer do fruto proibido era Lilith mostrando para Eva que ela poderia ser livre também.
Foi por isso que Deus criou Eva da costela de Adão, para que ela seja sempre inferior e submissa a ele. Porém há quem diga que A serpente que induz Eva a comer do fruto proibido era Lilith mostrando para Eva que ela poderia ser livre também.
Que lições nos trazem este
mito? Primeiro, que se formos contra Deus, vamos sofrer. Aqui, por si
só, já temos uma forte inferência do porque temos que manter a natureza feminina reprimida, “na sombra” e bem longe da
luz: para evitar o sofrimento. Mas é preciso notar algo mais: o Deus histórico
é do sexo masculino, o que cria uma associação (ainda que nebulosa) de que os
homens e Deus devem ser obedecidos com a mesma reverência e sem maiores
questionamentos. Assim, ir contra o
desejo dos homens para atender à nossa natureza e essência femininas seria
passível de punições inimagináveis. Afinal, ao fazê-lo, Lilith perdeu seus
filhos, seu status e sua capacidade de sobreviver dentro de um contexto social
e cultural.
Porém, tanto para as Pombas giras quando na tradição de Lilith, o Deus
não é visto nem acima – e tampouco abaixo da Deusa. Lilith é uma Deusa que gosta do Masculino e o aceita como seu
igual e parceiro em complemento e
cumplicidade. Lilith aprecia
muito o masculino independente, capaz de aceitar sua liberdade sem temer o
seu amor..
Que Saibamos nos empoderar com elas, que sejamos cada vez mais Pombas giras, que surjam cada vez mais Rainhas, Quitérias, Padilhas por esse mundo!
Que Saibamos nos empoderar com elas, que sejamos cada vez mais Pombas giras, que surjam cada vez mais Rainhas, Quitérias, Padilhas por esse mundo!
Patricia Cassariego
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